“Confirmo que minha primeira leitura se deu a partir
de um recado rabiscado pela faca no ar cortando em fatias o vermelho.” (QUEIRÓS,
B.C. Vermelho Amargo. São Paulo:
Cosac Naify, 2011. 72p.)
Existe algo mais doce do que a memória
da nossa infância? O livro Vermelho
amargo, do escritor mineiro Bartolomeu Campos de Queirós, vem demonstrar
justamente o contrário, uma vez que o relato do narrador-personagem
desconstrói, página a página, a imagem da infância como sendo o momento mais
belo e feliz de nossas vidas. A dor deixada pela ausência da mãe e a opressão,
ainda que velada, por parte da madrasta, deixaram sobre o narrador marcas
incuráveis, que dão às suas lembranças um gosto amargo, tal como o sabor do
tomate que era servido, dia após dia, em seu prato.
Ao longo de toda a narrativa, a
lembrança da mãe morta não abandona o narrador. Ela ressuscitava das louças, das flores, das manchas do retrato na parede, ressurgia nos próprios filhos, de modo que era impossível para a madrasta
apagá-la. Misturada à ausência materna e ao descaso por parte do pai,
emerge a relação conflituosa do narrador com aquela mulher, que se revela o oposto de sua mãe.
emerge a relação conflituosa do narrador com aquela mulher, que se revela o oposto de sua mãe.
A violência que ele sofre jamais é
explícita, mas o narrador, mesmo menino, era capaz de ler através de seus
gestos, percebendo suas verdadeiras intenções até
na maneira como ela cortava o tomate. “A
madrasta retalhava o tomate em fatias, assim finas, capaz de envenenar a todos.
[...] Eu desconhecia se era mais importante o tomate ou o ritual de cortá-lo.
As fatias delgadas escreviam um ódio e só aqueles que se sentem intrusos ao
amor podem tragar.” (QUEIRÓS, 2011, p.9-10).
Símbolo da opressão sofrida, o tomate
maduro, já anunciado no título, torna-se uma verdadeira obsessão que reaparece
ao longo de toda história e, embora descrito de maneiras diversas, possui
sempre o mesmo gosto, amargo – sabor que marcou toda a sua infância. Em meio a
uma realidade tão difícil de digerir, o narrador vê na fantasia o único caminho
de fuga da opressão, o único alívio possível em meio à dor e a desilusão.
Com sua prosa poética e refinada,
Bartolomeu consegue atingir em cheio a sensibilidade do leitor, lançando-o
sobre o universo da memória e da fantasia; universo esse que, embora
desconstrua a imagem da infância feliz, está repleto de beleza e emoção. Como
afirma Gabriel Villela, Bartolomeu produziu uma
fábula delicada... como arame farpado (citação retirada da quarta capa da
edição).
Vermelho
amargo foi o último livro de Bartolomeu publicado em vida
e se insere dentro de sua obra como um livro de cunho autobiográfico. O autor,
que publicou mais de quarenta obras, entre elas Ciganos (1982), Por parte de
pai (1995) e O olho de vidro de meu
avô (2004), ganhou prêmios literários importantes e com Vermelho amargo conquistou postumamente
o prêmio de Melhor livro do Ano.
Para comprar e apreciar:
Um beijo,
da Menina Leitora,
Danielle Mayer
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